(Cartola- Corra e olhe o céu)
Estava tão absorta em seus pensamentos aleatórios e indiferente a todo resto, que nem sequer cortou os morangos ao meio para assegurar que nenhum bicho da fruta espertalhão a surpreendesse. Fazia isso habitualmente, desde o dia em que um desses revoltosamente irrompeu a ordem e paz vigente. Mergulhava-os inteiros no pote de açúcar e levava-os a boca de uma vez. Pensava em tanta coisa abruptamente, e, incomodada que estava, resolveu voltar suas digressões aos moranguinhos.
Gostava da época de morangos. Aquelas frutas macias, doces e, ultimamente, com rancor de agrotóxico. Pensava que não se fazia mais morangos como antigamente, que de tão suaves e naturalmente adocicados, mergulha-los no açúcar era mais um bel-prazer do paladar infantil do que uma necessidade. Brotava uma vontade imensa sobre aqueles antigos morangos de feira, que por serem apenas morangos, eram auto-suficientes e deixavam qualquer outra fruta no chinelo. Daqueles que se comem puros e dispensa-se qualquer complemento: açúcar, mel, iogurte ou chantilly, misturados àquelas relíquias vermelhas de pintinhas, soavam como heresia. Dessa vez o açúcar já não era um capricho de criança, mas uma maneira de disfarçar o ranço daqueles belos e chochos morangos.
Um comentário:
que bonito!
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