segunda-feira, janeiro 28, 2008

Por que gostava tanto de cinema?

"You/ You lust/ In Space/ In Time/ 'Cause it's just another day/ You will lose it anyway "
(Air- Another Day)

"Junto a todos os outros, permanecerá em quase imobilidade e absolutamente só. Talvez, por isso, o cinema seja a arte que melhor expressa o viver contemporâneo urbano: uma solidão compartilhada com os personagens na tela. Um estranhamento com os personagens da vida cotidiana."
(Milton Almeida em Cinema, Arte da memória)
"Minha religião é o cinema."
(Mojica)

O que tanto enfeitiçava esse menino? Só hoje foi no cinema e viu três filmes. Como pode não enjoar? É tanto filme.

Quando a mãe, que tinha aquela mania de mãe de rebaixamento e desprezo por todos os gostos dos filhos que não compreendia, o indagava - mais com intenções de ressaltar sua indignação e fazer ele mudar de hábitos, mostrando o quanto ela achava isso coisa de bitolado, e portanto era coisa de bitolado pro mundo inteiro, do que compreender - ele respondia na maior naturalidade, com um tom irritado: "Ué, você assiste quase uma hora de novela todos os dias, há não sei quantos anos, mesmo sabendo que todas vão terminar com o mocinho e a mocinha casando, e vem falar dos meus filmes! Que nem todo o dia eu vejo. Ver novela por acaso não é coisa de bitolado não né!"

Seus filmes. Pareciam pessoas da maneira enérgica que ele os defendia. Diria que até amigos, pela maneira pela qual se ofendia quando alguém os menosprezava. Mas o que o fazia gostar tanto daquelas imagens no telão? Quando essa relação tinha começado?

Talvez os personagens faziam-lhe esquecer de sua solidão: buscava neles encontrar algo com que se identificasse, um diálogo que não tinha com as pessoas da vida real, uma frase jogada que revelasse coisa que seu interior não conseguia verbalizar. Uma angústia ou uma felicidade inexplicada, agora compartilhada pela réplica de uma realidade, despedaçada em partes e em tempos, em 2d, lançada em luzes sobre um plano branco.

A cada filme fazia descobertas, menos sobre o real, mais sobre si. Uma busca pra questões existencias talvez. Era um entretenimento bem egoísta, sim. Mas qual não é? Até os mais caridosos buscam na caridade a satisfação pessoal.

Podia também ser levado a grandes telas por curiosidade sobre o ser-humano. No cinema, diferente do teatro, são captados e enfatizados os detalhes. Essa vontade infantil de ser uma mosca pra acompanhar as pessoas de perto, ouvir conversas intímas e ver o que elas fazem quando ninguém olha é quase satisfeita graças a camera. Mais que isso, a subjetividade também nos permite percorrer os pensamentos, nos transforma em espectador-personagem, muitas vezes colocam-nos na perspectiva mental e visual alheia.

Talvez gostasse de cinema porque por alguns instantes deixara de ser e viver quem era. Afastava-se da sua vida banal. Podia simplesmente observar, o que lhe agradava bastante, e sentir sem ter que interagir fisicamente, sem ter que ser simpático. Observava sem ser observado. Se sentia a vontade escorado na poltrona pouco iluminada. Um abandono da vida rotineira e entediante para uma história nova. As vezes tão surreal, que o fazia decolar. Ser outro.

Talvez nem soubesse porque gostava tanto assim. Sempre que ia ao cinema, saia contente, mesmo quando o filme era triste.

4 comentários:

Anônimo disse...

Me lembrei de uma cena linda deste filme em que o Totó fala que a vida tá uma merda e que se fosse um filme, aconteceria um "fade" e aquela tempestade inoportuna acabaria em um beijo...

Anônimo disse...

Thati, estou na faculdade procurando algo para passar o tempo e me recordo deste blog. Ainda bem que isso aconteceu, porque ele me fez relembrar quão boa escritora você é! Fico feliz em saber que posso recorrer a esse oásis dentro de um mar de seres grotescos...Creio que já escrevi algo bem similar em um outro blog seu (que por sinal você tragicamente apagou de cabo a rabo). Obrigada (não por ter apagado o antigo blog.). Beijos.

Thaiza disse...

Nossa Bia, obrigada chuchu! Fico feliz com seu super comentário!
E seu blog hein, por onde anda?
Beijocas!

Thaiza disse...

Oi Ricardo! Ótima observação! Tem coisa na vida que da vontade de ser diretor de filme pra torná-las simples assim!
Beijo